Marcolino José Dias

O tenente negro que virou herói na Guerra do Paraguai

A história do tenente Marcolino José Dias, um escravo liberto filho de negros africanos, ajuda a entender o impacto da Guerra do Paraguai (1865-1870) na política racial brasileira. Na época, o Brasil era a maior sociedade escravista nas Américas, com cerca de 1,5 milhão de homens e mulheres escravizados — mas pelo menos 4 milhões de afrodescendentes livres ou libertos viviam no país e constituíam 40% da população total, de 10 milhões de habitantes.

Marcolino se alistou no Regimento dos Zuavos Baianos, composto apenas de negros, após uma mobilização do governo baiano que na época não parecia alinhada às normas do Exército, que desde 1837 havia abolido a exclusão de “homens pretos” de suas fileiras e rejeitado o tratamento de soldados de acordo com a cor da pele.

O nome do regimento era uma referência aos soldados franceses de infantaria que serviam na Argélia e em outros territórios árabes, nos séculos 19 e 20. A farda também copiava os zuavos franceses: bombachas vermelhas, colete azul bordado e pequeno boné

Onze companhias de zuavos, com um efetivo total de 638 homens, embarcaram na Bahia em março de 1865 para o Rio de Janeiro e, na sequência, para os campos de batalha. Marcolino liderava uma companhia com 85 soldados sob seu comando. Já promovido a capitão, participou de vários combates, como o cerco a Uruguaiana e a Batalha do Tuiuti.

Mas teve grande destaque na Batalha do Curuzu, em setembro de 1866, na tomada do forte paraguaio do mesmo nome. Mesmo ferido, Marcolino subiu a muralha inimiga por sobre as costas de um de seus soldados, retirou uma bandeira paraguaia, hasteou o pavilhão verde-amarelo no seu lugar e, segundo o historiador baiano Manoel Querino, anunciou: “Está aqui o negro zuavo baiano!”. Ficou de posse do troféu de guerra e só entregou a bandeira paraguaia ao comandante do Exército na batalha.

Marcolino foi mencionado pelo Comandante-Geral das Forças Brasileiras, general Osório, como o “Herói Negro” e sua coragem, registrada na imprensa do Rio de Janeiro e de Salvador – onde teve recepção heroica na volta para casa, em 1867, passando a ser tratado como uma figura popular.

Mas, depois da guerra, havia pouco espaço para os veteranos negros serem recompensados, permanecendo marginalizados pela sociedade. Marcolino, apesar da fama, conseguiu apenas um emprego de porteiro de uma biblioteca pública. Anos mais tarde, Marcolino e outros veteranos do batalhão dos zuavos participaram ativamente da campanha abolicionista até sua morte, em 1888. Devido a sua inimizade com o movimento republicano, que seria vitorioso no ano seguinte, Marcolino José Dias foi praticamente esquecido pela historiografia militar brasileira.

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