Panfletos impulsionaram mobilização pela independência

Foto: Panfleto em forma de carta

Os oitos anos que separam a Revolução Pernambucana de 1817 – o último movimento separatista do período colonial – e o reconhecimento oficial da independência do Brasil por Portugal, em 1825, foram marcados por um clima de efervescência política que mobilizou brasileiros de todas as regiões e classes sociais.

Os debates acalorados ganharam um aliado importante neste período para conquistar corações e mentes: os panfletos, uma forma de comunicação e propaganda política eficaz, baseado na defesa de uma ideia ou de uma estratégia, por meio de prosas e versos, redigidos em cartas (que geravam réplicas e tréplicas), manifestos, convocação, avisos, poemas e qualquer outro gênero escrito que contivesse argumentos para denunciar algo ou convencer o público-alvo.

Os panfletos, impressos ou manuscritos, eram pregados em postes, na porta de igrejas ou de órgãos públicos e declamados em teatros, saraus, tabernas e até nos prostíbulos – a declamação era uma forma de atingir o grande público, a maioria iletrado.

Os panfletos sempre existiram ao longo da história brasileira, em especial durante as revoltas que eclodiram na época colonial. Circularam freneticamente desde a Revolta de Beckman, de 1684, no Maranhão, até a Conjuração Baiana de 1798, sempre de forma secreta, para fugir da censura das autoridades portuguesas. Mas explodiu de vez nos meses anteriores à independência.

Neste período, sob influência do liberalismo, que pregava o enquadramento dos regimes absolutistas na Europa, discutia-se por aqui abertamente as várias opções colocadas na mesa – da mudança para o regime republicano à autonomia das províncias (estados), passando pela manutenção do Brasil como colônia portuguesa até a independência de Portugal sob um regime monárquico, que acabou vigorando.

A Revolução Liberal do Porto, de 1820, que pressionava o rei D. João VI a adotar medidas liberalizantes, facilitou a proliferação de panfletos na colônia. Um dos efeitos foi o fim da censura prévia e o florescimento da liberdade de imprensa.  A autorização para abertura de topografias no Brasil deu o empurrão que faltava para elevar à enésima potência a produção de panfletos, mais eficientes como arma de propaganda política que os textos manuscritos.

“Antes, os panfletos impressos vinham de Portugal, demoravam meses e perdiam a atualidade; a abertura de topografias por aqui expôs o debate político da época da independência, os diferentes projetos que estavam em disputa, marcados pela fragmentação do país, por província – a forma como  se discutia a adesão às Cortes Constitucionais no Maranhão, por exemplo, era diferente do debate em São Paulo”, afirma a historiadora Marcela Telles Elian de Lima, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ao lado da historiadora Heloísa Starling, também da UFMG, Marcela ajudou a organizar o livro Vozes do Brasil: A linguagem política na Independência (1820-1824), lançado no final do ano passado pelas Edições do Senado Federal, como parte das comemorações do bicentenário da independência (a versão digital pode ser acessada gratuitamente na livraria do Senado).

O livro reproduz 21 panfletos políticos que circularam nas províncias do Rio de Janeiro, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Grão-Pará. Os panfletos integram a coleção de 135 folhetos relativos à Independência do Brasil reunidos pelo diplomata e historiador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) em sua biblioteca particular, doada à Universidade Católica da América, localizada em Washington.

De acordo com Marcela, os panfletos recorriam a vários tipos de linguagens – sonetos, sermões, poemas, discurso, cartas – e se mostraram uma fonte excelente de pesquisa para recuperar hábitos cotidianos que nem sempre foram captados pela historiografia oficial. “Todos os alvos eram chamados de ‘déspotas’, por exemplo”, diz a historiadora, numa referência à linguagem usada nos panfletos quando o autor queria atacar um desafeto ou adversário. “As expressões ‘liberdade’ e ‘soberania’ eram repetidas à exaustão, assim como a frase ‘Precisamos nos livrar da tirania de Lisboa’, entre outras”, emenda Marcela.

Outra curiosidade confirma a dificuldade de disseminação de informações no período. “Lendo os panfletos nos meses pós-independência é possível notar como o 7 de Setembro passou despercebido, a data simplesmente não é mencionada”, afirma a historiadora. “Ninguém toca no assunto, mas era comum panfletos registrarem que uma determinada vila na Paraíba ou na Bahia aclamou D. Pedro como imperador”, acrescenta.

Marcela destaca um dos papeis centrais desempenhados pelos panfletos na época da independência – a capacidade de circular as ideias entre as diferentes províncias. “O cenário na Bahia, por exemplo, era importante para pautar decisões que deveriam ser tomadas em outras regiões; da mesma forma que, no Rio Grande do Sul, os panfletos informavam o que estava ocorrendo na Cisplatina”, afirma a historiadora da UFMG.

Nos panfletos, cada escritor montava seu argumento de acordo com o que estava defendendo. A historiadora cita como exemplo a mobilização para arregimentar voluntários para a guerra da Independência da Bahia (1823). “Panfletos distribuídos pregavam ‘Negros e brancos juntos, todos pela liberdade!’, mas a liberdade prometida para os brancos era diferente da sugerida para os negros, que pensavam no fim da escravidão”, afirma Marcela.

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