Árvore de Natal, presente em forma de alimento e missas marcaram festas no século 19

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Nada de correria em shoppings ou supermercados. No século 19, quando se aproximavam as festas de fim de ano, o bichinho capitalista ainda não circulava na sociedade brasileira. A ceia de Natal – que ocorria cedo, com pratos leves, já que não havia luz elétrica – era basicamente um momento de união em família, precedida por missa e manifestações artísticas, com troca de presentes, alguns em forma de alimentos, entre os amigos.

O historiador Paulo Rezzutti conta que os primeiros registros que encontrou dos festejos no país foi no teatro jesuítico. “O Padre José de Anchieta usava o Natal, assim como outras festas católicas, para ensinar catecismo para os índios que estava educando. Então os primeiros registros eram essas festas teatrais feitas por ele”, afirma. Depois, o especialista encontrou registros feitos pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, que vem com a missão francesa para o país e começa a retratar o que via. 

Entre as gravuras, há uma que mostra os presentes natalinos, que são carregados pelos escravizados – bandejas cobertas, leitões e peru, este último, iguaria cuja tradição gastronômica chegou com os portugueses. “Os escravos também ganhavam seus presentes, que eram dinheiro ou roupas novas. Mudaram de peça uma vez por ano, ao menos, e também tinham suas próprias festas durante Natal, ano novo e Dia de Reis, comemorado em 6 de janeiro”, completa o historiador.

Já a dita árvore de Natal, uma prática alemã, teria chegado com a princesa Leopoldina quando aportou no país em 1817 para se casar com Dom Pedro I, ou com quem veio com ela. “E essa árvore quando existia, o que era raro, era enfeitada com frutas cristalizadas e velas. E ficavam com a preocupação de apagá-las para não pegar fogo na casa”, afirma a historiadora Ana Cristina Francisco. Biógrafa da Condessa de Barral (foto no destaque) – o livro está previsto para ser lançado no próximo ano -, preceptora das princesas Isabel e Leopoldina, ela lembra uma ocasião que ficou marcada em cartas que pesquisou. 

“Em 1859 acontece uma situação inusitada, porque é a primeira vez que Dom Pedro II e a imperatriz (Tereza Cristina) vão para o norte do país e calhou de ser no período do Natal. As princesas ficaram muito chateadas, eram muito apegadas aos pais. E elas nunca tinham visto uma árvore de Natal. Barral, então, conta em uma das cartas enviada à imperatriz – registrava todo dia a dia delas – que fez uma ´árvore de Noel’, como chamava, no hall de entrada do palácio de verão onde hoje é o Museu Imperial em Petrópolis”, lembra.

Tentando amenizar a falta dos pais, ainda que fosse muito rígida, Barral era carinhosa com as meninas. E tinha uma mania: guardar tudo em pacotinhos amarrados por fitas. Deixou os presentes, portanto, debaixo da árvore, endereçados a elas, a Dominique, seu filho e a Francisca, uma amiga das crianças que frequentava o palácio. E cada um contava com enigmas que divertiram as crianças. Elas riram ainda mais quando descobriram o interior dos embrulhos: eram palmatórias. 

“Isso marcou muito as meninas porque em cartas que trocaram já adultas elas lembraram deste Natal com a ‘condessinha’. Tem uma carta da Isabel para a imperatriz contando que também ganhou soldadinhos de chumbo, doces, arenques, vestidinhos para bonecas, mas que tinham se divertido com o presente enigmático”, analisa Ana.

Além deste ritual, primeiro registro documental encontrado pela historiadora, as famílias se reuniam, realizavam missa especial – ao invés de ser de casa em casa, eram abertas para todos. E quando a Catedral de Petrópolis foi inaugurada, em 1884, tanto a família imperial quanto todos que moravam lá passaram a comemorar o Natal na ‘casa de Deus’, de fato. 

(Miriam Gimenes/Agenda Bonifácio)

Publicada em 22 de dezembro de 2022

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