A democracia faz parte de uma história recente no Brasil

Você sabe definir, ao pé da letra, o que é uma democracia? Nos últimos tempos este tem sido um termo muito discutido no país, principalmente nos meses que antecederam as eleições presidenciais – em agosto, por exemplo, houve um ato em defesa dela na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), com a participação de autoridades jurídicas e professores. O fato é que o regime político em que a soberania é exercida pelo povo faz parte de uma história recente – e cheia de altos e baixos – no Brasil. 

Segundo o professor titular de História do Brasil na USP, Marcos Napolitano, só se pode falar em um sistema político minimamente democrático a partir de 1946, com a chamada ‘Quarta República’, que surgiu com a queda do Estado Novo (1937-1945, a ditadura de Getúlio Vargas). “Antes disso, tivemos formas liberais ao longo da Monarquia e da Primeira República. Na Monarquia, as eleições eram censitárias e indiretas, mas a escravidão excluia uma boa parte da população da vida política e dos direitos civis básicos, e as leis eleitorais do final do Império excluiram boa parte dos possíveis eleitores”, explica. 

Já na Primeira República, o liberalismo oligárquico era apartado da democracia, pois apesar das formas liberais e das eleições regulares, o sistema eleitoral era fraudado e pouca gente podia votar (entre 1,5 e 5% da população). Com a Revolução de 30 (movimento armado que culminou no golpe de estado, que depôs o então presidente Washington Luís), as elites incluíram a discussão sobre a ampliação de direitos sociais mas, em compensação, o sistema voltou-se para um modelo abertamente autoritário e antiliberal, inclusive na Era Vargas.

“A partir de 1946, já podemos falar em uma ‘experiência política democrática’, ainda que houvesse forte exclusão social e econômica, pois as eleições passaram a ser limpas, com a criação da justiça eleitoral, e havia efetiva disputa pelo voto, com um corpo eleitoral sensivelmente ampliado na direção do operariado, apesar das restrições ao voto do analfabeto. Entre 1964 e 1985, o regime militar reimplantou um modelo autoritário e excludente. A partir daí, sobretudo a partir da Constituição de 1988, podemos falar em uma redemocratização, com a plena liberdade de voto, organização, expressão, além da consolidação de direitos civis e sociais”, completa o especialista. 

Falta muito

No Brasil, explica o professor, é vigente a democracia política liberal, de modelo presidencialista, com equilíbrio e isonomia entre os três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário. “Ainda precisamos avançar no campo da igualdade social e econômica, governança (ex. sistema de combate à corrupção e ao fisiologismo, bem como a ampliação da transparência administrativa de governo) e na consolidação dos direitos civis para os mais pobres, o que inclui acesso à justiça e o fim da violência policial ‘preventiva’ contra estes grupos socialmente mais vulneráveis”, destaca. 

Entre os principais vilões da democracia no país, há a corrente da sociedade que defende o autoritarismo de extrema direita, com o presidencialismo autoritário e o saudosismo da ditadura militar e suas formas de controle político e social – número estimado pelos especialistas entre 5 a 15% de eleitores. Para que a democracia não sofra ataques novamente, Napolitano diz que é preciso que as instituições se afastem da tentação golpista em conjunturas de crise política, como ocorreu no passado distante e recente. “Acho que, a não ser em franca e notória quebra de decoro, violação da Lei de Defesa do Estado de Direito ou comprovada venalidade que envolva diretamente os ocupantes de cargos públicos (por exemplo, corrupção ativa e voltada para enriquecimento pessoal), não se deve derrubar governos via impedimento ou cassar mandatos eleitos pelo povo. O processo eleitoral deve ser a arma regular e prioritária da cidadania para promover o rodízio de governo”, finaliza. 

(Miriam Gimenes/Agenda Bonifácio)

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