Barão do Rio Branco
O monarquista que virou um dos políticos mais populares da história republicana

Poucos políticos brasileiros que participaram da transição da monarquia para a república, na virada do século 19 para o século 20, conseguiram preservar o respeito e a popularidade com a mudança de regime como José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Barão do Rio Branco.
Filho de um aristocrata influente do período monárquico — o senador e diplomata José Maria da Silva Paranhos, que detinha o título de Visconde do Rio Branco –, conseguiu sair da sombra do pai atuando como advogado, diplomata, geógrafo, professor, jornalista e historiador.
Mas foi como diplomata que o Barão do Rio Branco construiu uma biografia irretocável, transformando-se num dos nomes mais importantes da história do Brasil. Como ministro das Relações Exteriores entre 1902 e 1912 consolidou o desenho atual das fronteiras brasileiras, sem recorrer a invasões ou guerras – utilizando apenas a diplomacia, o que lhe rendeu a indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 1911.
Negociador hábil, por meio de processos de arbitramento ou negociações bilaterais com países vizinhos, obteve concessões que resultaram na incorporação ao território do Brasil de mais 900 mil quilômetros quadrados, área equivalente a uma Venezuela. O caso mais emblemático da excelência da política diplomática do Barão foi a anexação do território do Acre, após longa negociação com a Bolívia, em 1903.
Quem conheceu o jovem boêmio Paranhos Júnior dificilmente apostaria onde ele iria chegar. Com apenas 17 anos, ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo. Longe da família, que morava no Rio, caiu na noite e ficou famoso pelo pouco interesse com as aulas diurnas, a ponte de ser seguidamente repreendido pelo pai.
O temor de que a fama de boêmio comprometesse seu futuro levou o pai a enviar Paranhos Júnior para a Faculdade de Direito de Olinda, para terminar os estudos. Após se formar, o jovem advogado conseguiu a proeza de ganhar uma boa quantia em dinheiro na loteria e, antes que o pai o obrigasse a dar seguimento à profissão, decidiu viajar para a Europa.
Passou um tempo em Portugal e, na volta, pareceu ter amadurecido: substituiu por três meses Joaquim Manuel de Macedo como professor de história do Brasil, no Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro. Logo em seguida, obteve por indicação política o cargo de promotor público na Comarca de Nova Friburgo – que abandonou logo, pois não se adaptou à tediosa vida na serra fluminense.
Seu pai, enquanto isso, crescia na carreira política, assumindo o cargo de ministro de Negócios Estrangeiros. As conexões do pai no Partido Conservador ajudaram na eleição do filho como deputado, representando a Província de Mato Grosso, onde nunca havia pisado os pés. Permaneceu no cargo por duas legislaturas, entre 1868 e 1875, sendo que conciliou os últimos anos no parlamento com o jornalismo, ajudando a fundar o periódico A Nação.
A vida do futuro Barão do Rio Branco deu uma guinada quando conheceu, ainda em 1872, Marie Philomène Stevens, uma atriz belga de pouca instrução, que tinha 22 anos na época e morava no Rio de Janeiro. A família, escandalizada pelo relacionamento, fez de tudo para afastar o casal. Não aceitou a possibilidade de casamento nem quando Marie engravidou (ela teria, no total, cinco filhos com o Barão).
A abertura de uma vaga de cônsul-geral em Liverpool, em 1875, seria a solução imaginada pelo Visconde do Rio Branco para tirar o filho de circulação do Rio, onde seu relacionamento com a atriz belga vivia sendo alvo de fofocas. Mas D. Pedro II recusou-se a nomear o jovem Paranhos Junior, então com 30 anos, para o cargo.
O pai passou a usar todas as armas políticas para assegurar o cargo ao filho – incluindo a criação de uma frente, com participação do Duque de Caxias, que ameaçou o governo imperial com a renúncia do gabinete se a nomeação de Paranhos Júnior não fosse confirmada.
Nomeado para o cargo de cônsul-geral em Liverpool, Paranhos Júnior levou Marie e os filhos para Paris, onde viveriam o resto da vida. A partir daí, sua carreira diplomática deslanchou. Foi comissário do Brasil na Exposição Internacional de São Petersburgo, em 1884, superintendente em Paris dos serviços de imigração para o Brasil em 1889 e, já sob o novo regime republicano, ministro plenipotenciário em Berlim, em 1900. Antes, em 1898, já havia sido eleito para a Academia Brasileira de Letras.
Mesmo reconhecido como monarquista convicto (recebeu o título de Barão no final do governo imperial, mas continuou a utilizar o título “Rio Branco” em sua assinatura mesmo após a Proclamação da República, em 1889), Paranhos Júnior assumiu o Ministério das Relações Exteriores em 1902. Serviu a quatro presidentes republicanos (Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca).
O Barão do Rio Branco obteve esse reconhecimento por sua atuação durante processos de arbitramento ou de negociações diplomáticas bilaterais em três disputas de fronteiras. A primeira delas foi no Amapá, em maio de 1895, após uma invasão francesa seguida de massacre numa briga envolvendo o desenho de fronteira do Brasil com a Guiana Francesa.
O Barão saiu vitorioso na negociação. No mesmo ano, conseguiu assegurar para o Brasil boa parte do território dos estados de Santa Catarina e Paraná, em litígio contra a Argentina no que ficou conhecido como a Questão de Palmas.
Sua maior vitória diplomática, no entanto, foi a anexação do Acre, confirmada pela assinatura do Tratado de Petrópolis, de 1903, com a Bolívia – que recebeu compensação financeira e pequenos trechos de território no Mato Grosso.
A essa altura, o Barão já era um político muito popular, apesar de ocupar o cargo de chefe da diplomacia brasileira e seguir ostentando um título da monarquia no nome nos anos iniciais da república. Foi escolhido presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1907 e, no ano seguinte, convidou o engenheiro Augusto Ferreira Ramos a projetar um teleférico para facilitar o acesso ao Morra da Urca, no Rio, o famoso bondinho do Pão de Açúcar.
Quando sua morte foi anunciada, em 10 de fevereiro de 1912, o Barão tinha 67 anos. Em sua homenagem, a capital do estado do Acre, então chamada Vila Pennápolis, passou a ser denominada Rio Branco. Seu rosto estampou a antiga nota de 1.000 cruzeiros durante anos. Considerado patrono da diplomacia brasileira, o Ministério das Relações Exteriores decidiu dar o nome do Barão à sua instituição de ensino superior que forma diplomatas de carreira, o Instituto Rio Branco, em 1945.
Respeitado e popular, a maior proeza do Barão do Rio Branco talvez não tenha sido a de anexar 900 mil km2 ao território brasileiro tendo como arma apenas a habilidade diplomática. Sua morte, em pleno Carnaval, causou grande comoção – e o ex-boêmio Paranhos Júnior conseguiu o feito de levar o Rio de Janeiro a adiar a comemoração da festa popular para se despedir do Barão do Rio Branco.