José do Patrocínio

De Tigre da Abolição a proclamador civil da República

Com uma atuação decisiva em dois momentos importantes da história do Brasil – a abolição da escravatura, em 1888, e a proclamação da república, no ano seguinte –, o farmacêutico, jornalista, escritor e ativista político José Carlos do Patrocínio (1853-1905) marcou sua biografia pelo carisma, oratória e capacidade de articulação política. 

Seu pai, João Carlos Monteiro, era um vigário da paróquia de Campos do Goytacazes, no interior fluminense, e um influente orador sacro da Capela Imperial. A mãe, Justina do Espírito Santo, uma jovem escrava que deu à luz com apenas 15 anos. Embora o vigário resistisse a reconhecer a paternidade de José do Patrocínio, o garoto negro passou a infância na fazenda do pai como liberto, convivendo com muitos escravizados. Apesar de ser religioso, Monteiro era um mulherengo famoso pelas bebedeiras e jogatinas. Foi vereador, deputado provincial e filiado à maçonaria.

Aos 14 anos, após ter recebido a educação básica na fazenda, Patrocínio pediu autorização do pai e mudou-se para o Rio de Janeiro. Arrumou um emprego de servente de pedreiro na Santa Casa de Misericórdia e, com o próprio dinheiro, bancou os estudos num externato. 

Concluiu o curso de farmácia em 1874 e, com a desativação da república estudantil que dividia com outros estudantes, aceitou o convite de um colega e mudou-se para a casa da família dele, no tradicional bairro de São Cristóvão.

Patrocínio fez um trato com o padrasto do amigo, o capitão Emiliano Rosa Sena, e passou a pagar a estadia dando aulas para os filhos do militar – entre eles, Maria Henriqueta, com quem viria a se casar anos depois. Passou também a frequentar o “Clube Republicano” que funcionava na residência, do qual faziam parte Quintino BocaiuvaLopes TrovãoPardal Mallet e outros ativistas.

Em 1875, Patrocínio começou a dividir a carreira de farmacêutico com a de jornalista. Em parceria com Dermeval da Fonseca, fundou o quinzenário satírico Os Ferrões, que duraria alguns meses. Dois anos depois, foi contratado como redator pela Gazeta de Notícias, encarregado da coluna Semana Parlamentar, que assinava com o pseudônimo de Prudhome. 

Foi neste espaço que, em 1879, iniciou a campanha pela abolição da escravatura no Brasil. Juntou-se a outros intelectuais influentes, como Joaquim Nabuco, João Clapp, Paula Nei, Teodoro Sampaio e Ubaldino Amaral na Associação Central Emancipadora. No ano seguinte, fundou com Nabuco a Sociedade Brasileira de Escravidão, passando a ser reconhecido como um dos líderes do movimento abolicionista na Corte.

Em maio de 1883, Patrocínio comprou um jornal, a Gazeta da Tarde, e articulou a criação da Confederação Abolicionista – reunião de todos os clubes abolicionistas do país, sendo responsável pelo manifesto de criação, juntamente com João ClappAndré Rebouças e Aristides Lobo

Passou a fazer viagens pelo país para defender a causa, sendo apontado como um dos articuladores da abolição da escravidão no Ceará, em 1884 – a primeira província a dar liberdade aos escravizados.

Em 1886, ajudou Joaquim Nabuco a fundar a Academia Brasileira de Letras, na qual ocupou uma cadeira. Neste mesmo ano foi eleito vereador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro com votação expressiva, defendendo a bandeira abolicionista. Juntamente com Rui Barbosa, foi um dos articuladores políticos encarregados de convencer o Senado a tramitar e aprovar a Lei Áurea, o que lhe rendeu o apelido de Tigre da Abolição.

No ato da assinatura da lei pela princesa Isabel (D. Pedro II estava em viagem à Europa), Patrocínio se ajoelhou e beijou a mão da princesa, de quem era grande admirador – apesar de sempre defender o sistema republicano — e a quem popularizou o apelido de Redentora.

O período entre a aprovação da Lei Áurea e a proclamação da república foi de grande turbulência política para Patrocínio. Para desgosto dos amigos da Confederação Abolicionista, manteve-se ligado à princesa, a quem dedicava grandes elogios no jornal A Cidade do Rio, que havia fundado depois de vender a Gazeta da Tarde.

Rotulado como “isabelista”, Patrocínio foi um dos mentores da chamada Guarda Negra, formada por ex-escravizados que agiam com violência contra os comícios republicanos. A mudança de sistema de governo era iminente, e Patrocínio – que nunca renegou a pauta republicana, discordando apenas do momento em que ela era estimulada –, acabou se adequando à nova ordem.

Na manhã de 15 de novembro de 1889, o golpe militar chefiado por Deodoro da Fonseca parecia vitorioso, com o povo nas ruas, mas sem um anúncio oficial que a monarquia estava extinta – na verdade, os militares falavam na criação de um governo provisório. Patrocínio deixou de lado sua fidelidade à princesa Isabel e rapidamente vestiu a camisa republicana de uma forma que desconcertou seus críticos.

No começo da tarde surgiram boatos desmentindo a proclamação da república. A essa altura, porém, seu jornal, A Cidade do Rio – um vespertino –, trazia detalhes do golpe militar, registrando os acontecimentos da noite anterior até o meio-dia, com vivas à república em sua manchete. Os fatos, porém, não confirmavam a troca de sistema de governo.

Sem vacilar, Patrocínio dirigiu-se para Câmara Municipal com João Clapp levando consigo uma bandeira desenhada pelo médico e jornalista Lopes Trovão –um ativista republicano – , que defendia ser a nova bandeira constitucional do Brasil.

Na tribuna, Patrocínio leu uma moção conclamando o povo a aderir à república. Após três vivas, a resposta parecia positiva – e o eventual monarquista negro entraria para a história como o “proclamador civil da república”, autor do único pronunciamento oficial do dia sobre a mudança de sistema de governo. Em seguida, ele e Clapp seguiram para a casa de Deodoro da Fonseca para entregar a moção.

Em 1892, Patrocinio entraria em conflito com o governo do marechal Floriano Peixoto ao apoiar a Revolta da Armada contra o regime republicano recém-estabelecido. Foi preso e  e deportado para Cucuí, no alto Rio Negro, província do Amazonas.

Retornou discretamente ao Rio de Janeiro no ano seguinte. Mas, como o estado de sítio ainda estava em vigor, seu jornal ainda tinha a publicação suspensa. Com dívidas, o vespertino acabaria fechando as portas definitivamente em 1902. Sem espaço, o jornalista viu sua participação política se tornar inexpressiva.

A fase final da vida de Patrocínio foi marcada por sua obsessão pelas invenções que revolucionavam o mundo. Levou a família – mulher e quatro filhos – para um período na Europa, para se inteirar das inovações. 

Na volta, chamou a atenção por ser um dos primeiros brasileiros a importar um automóvel, um modelo francês movido a vapor. E foi também o primeiro a se envolver em um acidente de trânsito: seu carro ficou destruído depois de Patrocínio bater numa árvore, semanas após desembarcar o carro no Rio de Janeiro.

Por anos, gastou boa parte de suas economias num projeto de navegação aérea. Seu objetivo era construir um dirigível de 45 metros de comprimento, o aeróstato Santa Cruz, que jamais saiu do chão.

Endividado e vivendo de pequenas colaborações como articulista de dois jornais cariocas, Patrocínio ainda se mudou para uma casa simples em Inhaúma, subúrbio do Rio. Morreu em 1905, aos 51 anos, em decorrência de uma hemoptisesintoma da tuberculose.

Seu enterro foi acompanhado por milhares de pessoas, incluindo antigos companheiros de lutas políticas – um final digno para o maior jornalista abolicionista da imprensa brasileira.

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