Quilombos trabalham para manter viva a cultura negra no Brasil

O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão. Entre 1550, quando se tem o primeiro registro de navio negreiro vindo da África aportar no país, até 1888, data da assinatura da Lei Áurea, cerca de 5 milhões de negros sofreram os mais variados tipos de abusos ao serem escravizados pelos portugueses. Alguns, no entanto, conseguiram fugir e se refugiar em comunidades, no meio da mata, locais que passaram a se chamar quilombos. Neles, conseguiam viver de acordo com a cultura africana, plantar e produzir em comunidade.
E até hoje existem os quilombos remanescentes, povoados por descendentes de ex-escravizados. Um estudo feito pela Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os Indígenas e Quilombolas do IBGE apontou, em 2019, que existiam 5.972 comunidades quilombolas no país – a maioria no nordeste, com 3.171, seguido pelo Sudeste, com 1.359 (as demais espalhadas por todas as regiões brasileiras). Decreto instituído em 2003 reservou a eles o direito à preservação da história, cidadania, cultura e ao direito étnico, garantindo também o dever do Estado de proporcionar a estes locais o acesso à educação, saúde, trabalho e moradia.
Uma dessas comunidades quilombolas brasileiras é a de Caititu do Meio, em Berilo, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais – o estado tem cerca de 300 grupos certificados. Descendente de quilombolas desta localidade, a atriz e cantora Ana Cacimba visitou há pouco o povoado onde esteve em algumas passagens da sua infância. “O quilombo é um lugar de cultura muito rica. Neste caso é uma comunidade rural onde acontece esse cuidado com o outro, todo mundo é muito próximo. É engraçado que a maioria das pessoas são primas, tinha essa coisa de casar com parente. É como se fosse uma grande família. E eles fazem muito escambo: um produz queijo, outro faz biscoito, tem o que é dono de vacas leiteiras, e eles trocam esses produtos, fazem esse consumo consciente. É uma economia criativa muito forte”, relata.
A avó de Ana morou no quilombo e foi para o ABC Paulista em busca de oportunidades. Uma das filhas não aguentou a vida na cidade e voltou para o Caititu, onde mora até hoje. “Passei minha infância indo lá e voltar mexeu com minha memória afetiva. Fiz questão de levar meu filho, Bento, de 4 anos, para ele saber de onde veio.” Foi justamente este o seu ‘caminho’, anos atrás: junto com algumas pessoas de lá fez teste de DNA, para descobrir de onde vieram os escravizados que passaram pela localidade. Descobriu-se que parte deles vieram da Costa da Mina, região da África Ocidental onde hoje estão Benim, Togo e parte de Gana.
Com o auxílio de historiadores, os quilombolas dali foram construindo suas trajetórias. “Muitos chamavam quilombolas de feiticeiros, por conta das questões religiosas, e quem morava ali escondia, sofriam de apagamento. Tem gente que fica incomodado com essa coisa da gente dizer o que é, porque isso foi trabalhado para não ser orgulho. Mas faço questão de dizer que sou quilombola, justamente para trabalhar esse pertencimento. A partir das descobertas que fiz, comecei a conversar com minhas primas que continuam morando lá. E elas começaram a trabalhar com educação quilombola”, conta Ana, que passou por algumas salas de aula da região para falar da sua história enquanto mulher preta, artista e descendente de lá.
“Quando comecei a cantar os cantos tradicionais e a pensar essa coisa da identidade cultural, fui pesquisar a minha ancestralidade. Minha avó era lavadeira, parteira, rezadeira, tinha essa coisa de pessoa sábia da região. Era extremamente valorizada. Estou tentando aprender com a minha mãe para dar continuidade desses saberes ancestrais também”. Para Ana, ‘quem sabe de onde vem não se perde’.
QUILOMBO DOS PALMARES
Localizado na Serra da Barriga, antiga capitania de Pernambuco, o Quilombo dos Palmares, que começou a se formar em 1580, foi o maior no Brasil: chegou a ter cerca de 20 mil negros. O nome fazia uma referência à planta abundante no local, a palmeira. Um de seus principais líderes foi Zumbi dos Palmares, que ficou à frente da comunidade entre os anos de 1678 a 1695 – quando foi morto em uma emboscada feita por um bandeirante e teve sua cabeça exposta na Praça Pátio do Carmo, no Recife, como ‘exemplo’ para quem mais tentasse fugir. O quilombo só deixou de existir, de fato, em 1710.
(Miriam Gimenes/Agenda Bonifácio)