D. Pedro I, o imperador garanhão que teve dezenas de filhos

Foto: D. Pedro I

D. Pedro I (1798-1834) teve sua biografia pessoal marcada por um apetite sexual insaciável, o que explica a quantidade até hoje incerta de filhos que teve dentro e fora de seus dois casamentos.  Biógrafos, historiadores e pesquisadores jamais chegaram a um consenso quanto ao número de crianças geradas pelo primeiro imperador brasileiro. 

A conta começa em 18 rebentos, com base em registros históricos comprovados – incluindo os filhos reconhecidos por D. Pedro I em seu testamento – e pode chegar a mais de 40, levando-se em consideração apenas os casos mais conhecidos, relatados entre 1817 até sua morte, em 1836, por fontes da Corte próximos à família real e fartamente citados pela historiografia brasileira. Mesmo sem confirmação oficial, é possível especular que D. Pedro I teve filhos com pelo menos 20 mulheres diferentes ao longo de seus 36 anos de vida.

Com suas duas esposas, D. Maria Leopoldina e D. Amélia, foram 9 filhos, sendo que apenas 4 viveram o suficiente para dar netos a D. Pedro I. Com Domitila de Castro, a Marquesa de Santos – de quem foi amante no mesmo período em que esteve casado com Maria Leopoldina –, D. Pedro teve outros 5 filhos, dos quais apenas dois chegaram à velhice e um nasceu morto.

A capacidade reprodutora do primeiro imperador brasileiro era tão grande que ele teve 3 filhos num mesmo ano, 1823 (com Leopoldina, Domitila e, surpreendentemente, com a irmã dela, Maria Benedicta). Conforme relatos, D. Pedro ainda teve filhos com uma bailarina francesa, uma atriz uruguaia, uma escravizada quitandeira do Convento da Ajuda, com a esposa de um ministro e até com uma freira do Convento de São Gonçalo, nos Açores, entre outras mulheres.

Três categorias de filhos

A extensa lista reforça a fama de garanhão que D. Pedro amealhou no Rio de Janeiro, engravidando mulheres da Corte, plebeias e escravizadas. “Na verdade, D. Pedro era um maníaco sexual”, afirma o historiador e advogado Bruno Antunes de Cerqueira, especialista em genealogia dinástica e fundador do Instituto Cultural D. Isabel I.

Para a difícil tarefa de traçar a linha genealógica de D. Pedro I, Cerqueira achou melhor dividir a lista de filhos do imperador brasileiro em três categorias: legítimos, legitimados e ilegítimos. Os legítimos são os filhos dos dois casamentos oficiais, com as imperatrizes D. Leopoldina e D. Amélia, todos integrantes da Casa Imperial.

“Os legitimados são os herdeiros da terça testamentária, que ele reconheceu em testamento, e incluem a 2 filhas sobreviventes com Domitila; o filho com a irmã da amante, Maria Benedicta de Castro do Canto e Mello; e o filho que teve com a modista Clemence Saisset”, afirma o historiador.

Ele observa que, embora todos os legitimados tivessem origem nobre por parte de mãe, como no caso da Marquesa de Santos, não receberam o nome dinástico “de Bragança”, e sim um novo, criado pelo próprio pai, o “d´Alcantara Brazileiro”. A exceção foi Rodrigo Delfim Pereira, que herdou o sobrenome do marido de Maria Benedicta.

De acordo com Cerqueira, é praticamente impossível estabelecer a quantidade de filhos ilegítimos do imperador. Isso porque muitas famílias arrumaram marido para as grávidas ou esconderam a paternidade, para evitar constrangimentos. “Algumas famílias costumam manter uma tradição oral e no Rio de Janeiro é comum encontrar uma pessoa que ficou sabendo que uma ancestral teria tido um filho de D. Pedro”, diz.

Como exemplo, ele conta o caso de D. Antonio João de Orleans e Bragança, bisneto da princesa D. Isabel, que trabalhou em uma companhia aérea e certa vez recebeu em seu escritório um senhor negro de terno branco. Após se apresentar, abraçou D. Antonio com força e disse: “Meu primo, que satisfação conhecê-lo!”. O próprio Cerqueira relata ter sido procurado no Rio por uma família que se considerava descendente do imperador. “Mas o antepassado que seria seu filho nascera em 1837, ou seja, seis anos após D. Pedro deixar o Brasil”, diz.

Jogo de interesses

Dois detalhes chamam a atenção da extensa biografia reprodutora de D. Pedro I. O primeiro era a fama de mulherengo, fartamente conhecida no Rio de Janeiro, com dupla consequência: se por um lado facilitava a abordagem do imperador ao ver uma mulher na rua, seja nobre ou não, por outro atraía as que tinham motivos para serem arrastadas para a cama imperial.

“Era um jogo e ele sabia que muitas mulheres poderiam engravidar por interesse, pois ter um filho do imperador era, em tese, garantia de uma segurança financeira para o resto da vida”, diz Cerqueira.

O segundo aspecto desse jogo é que D. Pedro I, mesmo ciente do risco, nunca deixou de reconhecer a paternidade – quando tinha a certeza de que era o pai.

Segundo o historiador, D. Pedro sabia até a data em que concebeu Rodrigo Delfim Pereira, o sobrinho da Marquesa de Santos, fruto de um relacionamento casual com Maria Benedicta. “Muitos anos depois, D. Pedro II chegou a ter contato com o meio-irmão e D. Isabel o chamava de tio Rodrigo”, afirma Cerqueira.

Com Pedro de Alcantara Brazileiro de Saisset, filho de D. Pedro com Clémence Saisset, o tratamento foi diferente. “Embora D. Amélia tenha bancado parte dos estudos dele na Europa, ele sempre foi rejeitado pela família imperial porque a imperatriz-viúva acreditava que madame Saisset engravidou dele de propósito, por interesse”, relata o historiador. Pedro de Alcantara, que chegou a ser cônsul da França na Califórnia, foi o último filho conhecido do imperador a morrer, em 1903.

Quanto aos ilegítimos conhecidos e comentados na época à boca pequena, a longa lista começa com o primeiro filho concebido por D. Pedro I, quando ele tinha 18 anos, fruto de um relacionamento fugaz com a bailarina francesa Noemi Thierry, em 1817. Francisco da Costa Matoso, o Pedro Thierry, morreu no nascimento – existem relatos de que o bebê foi embalsamado e enviado para D. Pedro. Antes do parto, os pais do então príncipe-regente já tinham tratado de mandar Noemi para longe da Corte.

Em 1827, D. Pedro engravidou uma jovem solteira, Florisbela Umbelina Horta. A solução foi arrumar um marido para que o casal cuidasse da menina, Ignacia, que viveu até os 55 anos. Outro caso conhecido foi com Andreza dos Santos, uma escravizada que trabalhava como quitandeira do Convento da Ajuda, que teve um aborto natural.

Guinada sexual

O segundo casamento de D. Pedro, com D. Amélia, a princesa de Leuchtenberg, representou uma guinada na vida sexual de D. Pedro. A fama dele era tão malvista nas Cortes europeias que a diplomacia imperial levou três anos até encontrar a pretendente.

Após o casamento, o índice de reprodução de D. Pedro desabou – ele teve apenas uma filha com D. Amélia e os casos de pulada de cerca caíram drasticamente. Para o historiador, D. Pedro I começou a enfrentar problemas de saúde que podem ter afetado sua virilidade.

“Depois do casamento com D. Amélia e da guerra contra o irmão, d. Miguel, ele passou a ter problemas pulmonares e infecções”, diz Cerqueira.  “Numa carta para Antonio Telles da Silva Caminha e Menezes, o Marquês de Rezende, quando ainda vivia no Brasil, ele já reclamava que estava com dificuldade de manter as ereções”, diz.

Mesmo assim, ele ainda teve dois filhos fora do casamento após deixar o Brasil. Em 1832, quando estava nos Açores para organizar a retomada militar do trono português, o imperador brasileiro engravidou a freira Ana Augusto Faleiro Troste, do Convento de São Gonçalo.

O filho recebeu o nome de Pedro, foi colocado na roda dos enjeitados e acolhido por Manuel Leal, alto funcionário e fiel servidor de D. Pedro nos Açores. O garoto morreu aos 7 anos. No ano seguinte, já em Portugal, engravidou uma mulher chamada Maria Libania Lobo. O filho, Pedro de Alcantara, ficou conhecido como Pedro Real .

De acordo com Bruno Cerqueira — um especialista na história do Império que mantém no YouTube o canal História do Brasil Como Você Nunca Viu (https://www.youtube.com/historiadobrasilcomovocenuncaviu) — com tantos filhos mundo afora, fica difícil completar a árvore de descendência do imperador brasileiro e rei português. “Entre descendentes dos filhos legítimos, legitimados e ilegítimos, podemos ter até 5 mil pessoas”, afirma.

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