Cripta Imperial, onde estão os restos de D. Pedro I, passa por reformas e receberá exposição

As comemorações do bicentenário da independência em 2022 estão mudando a paisagem em torno do Parque da Independência, no bairro paulistano do Ipiranga.
Além do Museu São Paulo, fechado para o público desde 2013 e que será reaberto no dia 7 de setembro após passar por obras de restauro, a Cripta Imperial — onde são mantidos os restos mortais de D. Pedro I, da imperatriz Leopoldina e de D. Amélia, a segunda mulher do imperador –, também está sendo reformada.
O complexo, gerido pelo Departamento dos Museus Municipais e conhecido como Monumento à Independência, está situado a cerca de 800 metros do Museu São Paulo. A parte externa, visível na rua, abriga uma estrutura de mármore e granito, com estátuas de bronze, que representam diferentes momentos ligados ao processo da independência, como a Inconfidência Mineira (1789), a Revolução Pernambucana (1817), e as figuras de José Bonifácio, Hipólito da Costa, Diogo Antonio Feijó e Joaquim Gonçalves Ledo, principais articuladores do movimento.
As obras estão concentradas na Cripta, na parte interna do monumento, abaixo do nível da rua. “As reformas são de caráter estrutural, pois a construção foi feita numa área de baixo relevo, sujeita à inundação, que apresentava problemas de infiltração”, afirma a historiadora Adelaide Maria de Estorvo Alencar da Silva, coordenadora do núcleo de informação e desenvolvimento de públicos do Departamento dos Museus Municipais, órgão da Secretaria Municipal de Cultura.
De acordo com Adelaide, além de resolver o problema de infiltração, a reforma prevê uma pequena alteração no espaço museológico. “Há uma antessala no interior do complexo e a cripta fica mais embaixo; o objetivo é fazer uma readequação com construção de rampas, melhoria de acessibilidade dos banheiros, além de uma reequipagem da cripta e do monumento, que passará por um processo de limpeza, para receber os visitantes”, acrescenta.
Até ser fechada para a reforma, a Cripta tinha várias restrições de visita do público, pelo espaço pequeno que ocupa. “Há a montagem de uma exposição em andamento em função do bicentenário”, afirma Adelaide. “Mas a decisão se a Cripta será aberta permanentemente a visitas ou pesquisas só vai ser tomada depois de concluída a obra”, acrescenta.
Projeto inicial desfigurado
O complexo passou por várias alterações desde o projeto inicial, aprovado em 1917 por meio de um concurso, aberto à participação de artistas brasileiros e estrangeiros. O projeto vencedor foi o do artista italiano Ettore Ximenes (1855–1926), mas não teve a unanimidade da comissão. A principal restrição foi a ausência de elementos importantes ligados à independência.
Com isso, o projeto inicial foi desfigurado, com a inclusão de referências aos movimentos de 1789 e 1817 e das estátuas. O Monumento à Independência foi inaugurado em 1922, como parte das comemorações do centenário da emancipação política brasileira. A parte inferior previa uma capela, que só começou a ser construída em 1953, com vistas a outra data histórica, o IV Centenário de São Paulo, comemorado no ano seguinte.
O espaço interno (ainda chamado de capela) recebeu em 1954 os despojos da imperatriz Leopoldina, que estavam no Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. Apenas em 1972, durante a comemoração do sesquicentenário da independência, o local ganhou a denominação de Cripta Imperial, com a vinda dos restos de D. Pedro I. Anos mais tarde, em 1984, o local recebeu o corpo mumificado de Dona Amélia. Ambos estavam sepultados no Panteão dos Bragança, em Lisboa, Portugal.
“Esses eventos, do IV Centenário de SP e do Sesquicentenário da Independência, são movimentos políticos, que desejam reforçar a chamada identidade nacional”, afirma Adelaide. “O governo militar, liderado em 1972 pelo então presidente general Emilio Garrastazu Médici, negociou com as autoridades portuguesas e conseguiu, com relativa facilidade, a vinda dos despojos do D. Pedro I”, acrescenta.
A urna com os restos de Dom Pedro I desembarcou no Rio em abril de 1972, numa grande cerimônia cívico-militar. E ainda percorreu várias capitais brasileiras até ser colocada na Cripta, cinco meses depois, no dia 7 de setembro de 1972.
“O sarcófago de granito construído na Cripta para receber a ossada era menor”, relata a historiadora do Departamento dos Museus Municipais. “Tanto o ataúde que guardava o corpo de D. Pedro quanto o da D. Leopoldina ficaram um tempo expostos num salão do Museu Paulista até que fossem feitas as adequações de tamanho”, emenda. Os restos de D. Pedro só seriam definitivamente colocados no sarcófago da Cripta em 1976.
Revelações das exumações de 2012
Em 2012, uma equipe liderada pela arqueóloga e historiadora Valdirene do Carmo Ambiel exumou os três corpos guardados na Cripta. Entre as revelações, surgiu a confirmação de que D. Pedro I morreu de tuberculose, media entre 1,66 m e 1,73 m (baixo para os padrões atuais, mas de boa estatura para a época) e tinha 4 costelas fraturadas (frutos de acidentes em vida). A partir da estrutura óssea pode-se inferir que era atlético.
Este ano, uma série de laudos médicos sobre o imperador, descobertos na Alemanha pela pesquisadora e escritora brasileira Cláudia Thomé Witte, pôs fim a uma antiga suspeita – a de que D. Pedro I, conhecido pelo apetite sexual, teria morrido de sífilis. Os laudos não só confirmam a tuberculose como causa da morte do imperador como revelam que ele jamais teve sífilis. Detalhes desses laudos foram incluídos em dois livros do pesquisador e escritor Paulo Rezzutti (D.Pedro I – O Homem Revelado por Cartas e Documentos Inéditos e D.Leopoldina – A Mulher que arquitetou a Independência do Brasil, ambos da Editora LeYa), que ganharam reedições comemorativas em virtude do bicentenário da independência.
Já a exumação de 2012 da imperatriz Leopoldina também desmentiu o rumor que circulou na época do império de que D. Pedro I, em um acesso de raiva, teria dado um pontapé na imperatriz, então grávida, jogando-a escada abaixo no palácio na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. O ataque teria quebrado o fêmur da imperatriz, causado seu último aborto e deflagrado a infecção generalizada que a matou em 1826. Uma das revelações importantes dos restos exumados de D. Leopoldina foi a de que não havia sinais de fratura em seu fêmur.
Já a exumação de D. Amelia chamou a atenção pelo excelente estado de conservação do corpo – com parte do rosto, cílios e cabelos intactos. D. Amelia morreu aos 59 anos, em 1873, na Ilha da Madeira, onde morava na época. Acredita-se que o corpo tenha sido embalsamado para suportar a cerimônia fúnebre, que se estendeu por dois meses.
Este ano, o governo brasileiro solicitou às autoridades portuguesas autorização para trazer o coração de D.Pedro I, guardado desde 1835 na cidade do Porto, em Portugal, por pedido expresso do imperador brasileiro, manifestado em testamento.
O objetivo é trazer o órgão – mergulhado em formol e mantido num recipiente de vidro transparente – para um evento ainda não definido em comemoração ao bicentenário da independência.
A Câmara Municipal do Porto e os representantes da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, em cuja igreja o coração está guardado num cofre, a princípio autorizaram a vinda do órgão. A historiadora do Departamento dos Museus Municipais, mantenedora da Cripta Imperial, diz que a prefeitura paulistana não foi consultada sobre o tema pelo governo federal. Ou seja, pela primeira vez, os restos de D. Pedro I e o coração do imperador podem permanecer juntos, mesmo que provisoriamente, em solo brasileiro.