Adriana Varejão expõe na Pinacoteca de São Paulo seu olhar crítico do período colonial

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Alguns dos principais acontecimentos da história do Brasil que remetem ao bicentenário da independência — como a colonização portuguesa, a influência do barroco, a violência da escravidão e a repressão aos movimentos de insurreição contra a Coroa – permeiam a obra da artista plástica contemporânea Adriana Varejão. 

Sua visão crítica sobre o período colonial, à qual a artista recorre à paródia para reforçar em suas obras, fica evidente ao percorrer a exposição Adriana Varejão: Suturas, fissuras, ruínas, em cartaz até 1º de agosto na Pinacoteca de São Paulo.

A mostra, a mais abrangente do trabalho de Varejão, traz 60 obras produzidas entre 1985 e 2022, muitas incorporadas em coleções particulares de sete países e inéditas no país. No ano em que o Brasil celebra 200 anos da independência, a leitura que a artista plástica brasileira mais reconhecida no exterior faz do recorte histórico do período de dominação portuguesa ganha destaque à parte na consistente trajetória de 35 anos de Varejão, que transitou pelo barroco e pela azulejaria portuguesa, entre outras referências, recorrendo a rachaduras e superfícies craqueladas até as obras tridimensionais, mais recentes.

Jochen Volz, curador da mostra da Adriana Varejão e diretor-geral da Pinacoteca de São Paulo, disse à Agenda Bonifácio que a artista demonstra um olhar crítico para a história visual brasileira. De acordo com Volz, grande parte do que conhecemos do passado colonial do país, por exemplo, imaginamos a partir de obras de arte, em sua maioria criadas por artistas viajantes europeus. “Pouco da violência e da brutalidade do Brasil colonial se vê nestas imagens, são muitas histórias não contadas”, afirma Volz. “Tornar algo visível que estava escondido é uma estratégia muito potente na obra da Adriana Varejão por mais de 30 anos”, enfatiza.

A influência do barroco marcou o início da carreira da artista carioca, entre meados e o final da década de 1980. Ela ainda estudava na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, quando fez uma viagem a Ouro Preto, onde teve o primeiro contato com o estilo trazido pelos portugueses que predominam nas igrejas mineiras do período colonial. Dois óleos sobre tela, Altar Amarelo (1987) e Anjos (1988), refletem o impacto que o barroco causou na artista nesta primeira fase.

Na fase mais abstrata, entre 1992 e 1997, Varejão mergulhou na temática da ficção histórica, adotando novos significados visuais a mapas, paisagens e interiores do passado colonial. 

As obras da artista que fazem referências diretas a períodos datados da história brasileira são constantes na carreira de Varejão até o início dos anos 2000. Entre elas, Autorretratos Coloniais (1993) e os quadros da série Filho bastardo (1992 e 1997). A técnica de incluir fissuras abertas no meio das telas, como se estivessem cortando a pele dos escravos retratados, é particularmente chocante. 

O livro da exposição traz uma entrevista de Volz com a artista, na qual Varejão afirma que sempre trabalhou com a ideia de parodiar referências históricas. Um exemplo é a obra Mapa de Lopo Homem (1992-2004), uma releitura do trabalho do cartógrafo português Lopo Homem — que, a serviço da Coroa portuguesa, retratou no início do século XVI o curso das navegações de Portugal e sua expansão territorial na Ásia, Índia, África e América do Sul. 

A obra de Varejão — tinta a óleo sobre madeira e linha de sutura — parte do mapa-múndi de 1519 de Lopo Homem para criar uma continuidade territorial entre a América do Sul e Ásia, a partir do Pólo Sul do globo. O quadro ainda traz um rasgo vertical, feito na tela pela artista, que começa na Europa e corta a África. A fissura é uma referência ao sangue derramado pela expansão portuguesa.  “Essa foi a primeira vez que trabalhei com uma aproximação crítica à ideia da colonização, parodiando e subvertendo conteúdos da história oficial”, disse Varejão na entrevista a Volz. O quadro foi feito originalmente em 1992, mas anos depois a tela sofreu avarias ao ser transportada para uma exposição e foi dada como destruída. Varejão, então, pintou o Mapa do Lopo Homem II em 2004.

Outro trabalho famoso da artista com referência à colonização portuguesa é Estudo sobre o Tiradentes de Pedro Américo (Reflexo de sonhos no sonho de outro espelho), de 1998. A obra foi feita a partir da tela Tiradentes Esquartejado (1893), do pintor paraibano Pedro Américo, que retrata o mártir da Inconfidência Mineira retratado com o corpo em pedaços, após seu enforcamento e esquartejamento.

Produzida para a Bienal de São Paulo de 1998, cujo tema central era a Antropofagia, a obra de Varejão consiste numa instalação com 21 pinturas a óleo de tamanhos variados. Com base na tela de Pedro Américo, a artista cortou um manequim em partes, como o corpo desmembrado de Tiradentes, pendurou essas partes por fios de nylon e usou vários espelhos, que refletiam diferentes imagens do corpo esquartejado, criando uma obra ao estilo 3D. 

Volz resume de forma objetiva a releitura que a artista faz da história colonial do Brasil, que acabaria sendo utilizada em outras fases de sua carreira. “Adriana Varejão explora o que está escondido por baixo das superfícies, ela aplica cortes, abre frestas ou revela um interior visceral com suas obras”, afirma.

A exposição da artista plástica carioca foi a primeira promovida em 2022 pela Pinacoteca de São Paulo tendo como pano de fundo o debate sobre a identidade nacional e a descolonialidade. Outros artistas terão destaque ao longo do ano, como Jonathas de AndradeDalton PaulaLenora de Barros Ayrson Heráclito.

Mais informações sobre a exposição de Adriana Varejão aqui.

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