‘José Bonifácio foi um dos maiores estadistas que o Brasil teve’, afirma a tataraneta do Patriarca da Independência, Graziela Andrada

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Quem fizer um passeio pelo Centro Histórico de São Paulo com os olhos curiosos certamente vai se deparar com um grande nome da independência do Brasil. Não em vida, porque ele já se foi há algumas décadas, mas em ‘pele de bronze’, mais precisamente na Praça do Patriarca. É lá que José Bonifácio de Andrada e Silva ‘mora’ desde 1972, em formato de escultura doada pela comunidade libanesa da cidade. E essa foi só uma das formas de reverenciar esse personagem pela tamanha passagem que teve na história do país – há outras também, inclusive um busto em frente ao Museu Paulista, no Ipiranga. Uma trajetória cheia de altos e baixos. 

Um homem do seu tempo, Bonifácio (1763-1838) nasceu em Santos, mas ainda jovem foi para a Europa onde aprofundou seus estudos em mineralogia – tem até uma pedra que leva seu nome, a Andradita – e já um tanto experiente voltou para o Brasil, onde foi Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros de Dom Pedro I. O influenciou na proclamação da Independência – ganhou o título de patrono do feito em 2018 – e entre aproximações e afastamentos do imperador português, que chegou a exilá-lo na França por seis anos, voltou para o Brasil e assumiu a tutoria de Dom Pedro II. 

Com mais inimigos do que amigos, depois de ter sido forçado a se afastar da família real, se exilou na Ilha de Paquetá, na Baía de Guanabara, e morreu em Niterói. Seus restos mortais estão hoje em Santos, no Panteão dos Andradas, onde também estão enterrados os seus irmãos Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Patrício Manuel e Martim Francisco Ribeiro de Andrada. 

É deste último que descende a empresária Graziela Andrada, tataraneta de José Bonifácio – Martim se casou com a sobrinha, Gabriela, filha de Bonifácio, com quem teve três filhos. Ou seja, ela é parente dos dois. E, por isso, faz questão de levar o nome do Patriarca da Independência por onde vai, inclusive nas escolas infantis. Para ela, é uma forma de perpetuar a história do país, promover o patriotismo – uma paixão de Bonifácio – e manter viva a trajetória familiar. Confira, a seguir, a entrevista completa:

Vamos começar pela história da família. Me conta sobre seu parentesco com José Bonifácio e Martim Francisco Andrada. 

José Bonifácio teve três filhas, uma se chamava Gabriela Frederica, que casou com o irmão dele, Martim Francisco. E é dessa linhagem que eu venho. Como ela casou com o tio, os filhos, ao mesmo tempo que eram sobrinhos, também eram netos de José Bonifácio. Descendo desta linhagem direta de homens. O meu nome é Graziela Oliveira de Andrada, o mesmo sobrenome de Martim Francisco.

A cidade de Santos respira bastante a história da sua família, como o Pantheon dos Andradas. Queria que me falasse da relação da família com a cidade litorânea. 

José Bonifácio nasceu em Santos, a família dele era de lá. Mas veio muito novo para Europa, onde morou em diferentes lugares. Depois foi exilado na França durante um período. Quando minha família voltou para o Brasil, muitos envolvidos na política, tivemos um ramo da  família mineiro, e é deste ramo que descendo. Em Minas temos uma fazenda histórica, a Borda do Campo, e o Solar dos Andradas, que tem toda a história de Bonifácio e seus descendentes. Mas tenho também uma relação com Santos muito próxima, principalmente quando a cidade se torna a Capital do Estado (ocorre uma vez ao ano desde 2006),  na semana de José Bonifácio, em 13 de junho, onde são prestadas várias homenagens a ele. No dia dele celebra-se algo e, antes da pandemia, eu visitava algumas escolas que levavam o nome dele. Conversava com as crianças, contava algumas curiosidades, inclusive que o nome dele era José Antônio, quem era Bonifácio era o pai dele. São encontros deliciosos, inclusive levamos elas no Forte dos Andradas, que é no Guarujá. 

E além desse trabalho com as escolas você conta a história de Bonifácio em outros lugares? E porque dia 13 de junho é o dia dele?

Ele nasceu neste dia (Dia de Santo Antônio), tanto que o nome dele é José Antônio e ele acabou virando Bonifácio porque o pai dele tinha uma casa onde hoje é o Porto de Santos e, naquela época, Santos era um vilarejo. E falavam: ‘vai lá falar com o José do Bonifácio’ e acabou mudando o seu nome ao longo do tempo. Quanto ao trabalho com as escolas, sou muito ligada com a questão da responsabilidade social. Há muito tempo participei de alguns projetos em Brasília, em São Paulo, porque é uma coisa que me agrada, o desenvolvimento da sociedade, do país. Em um 13 de junho desses que estava em uma homenagem, uma secretária de Educação me procurou e pediu para conversar com as crianças. Fizemos um café da manhã e no começo era algo formal, ia dar uma ‘aula de José Bonifácio’, e foi uma delícia. As crianças amaram, algumas me deram desenhos dele, foi uma coisa tão gratificante que daquele dia em diante resolvi que sempre na semana do aniversário  dele estaria disposta a levar seu nome para Santos. Visitei várias escolas por lá e converso com eles sobre a história, as curiosidades, coisas que não estão em livros, eles adoram, até me pedem autógrafo. Com a pandemia parei e agora tenho feito isso no exército, aqui em São Paulo, no CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), e também é muito gostoso. É interessante para as crianças o fato de ter uma pessoa que ainda está viva da família, eles resgatam a história de uma outra forma. E eu levo a cruz que pertenceu a Bonifácio, alguns pertences, e eles interagem bastante. Não só aprendem história, mas eles vêm me procurar, tirar fotos, contar a história para os pais. 

Você disse sobre a cruz de José Bonifácio. O que mais guarda da família e pretende fazer algo com esses objetos?

Em Minas, em uma cidade vizinha a Barbacena, que se chama Antônio Carlos, em homenagem a outro Andrada, temos a Fazenda da Borda do Campo e também tem o Solar dos Andradas, no centro de Barbacena, que está se transformando em um museu, com as coisas dele. Tenho outros itens que ganhei em Coimbra (Portugal), quando fui inaugurar uma rua, então tenho a Andradita, uma pedra da coleção pessoal, coisas que levo para as crianças e faço alguma exposição no exército. Eles gostam de olhar, pegar. Nunca pensei em fazer uma exposição, mas tenho bastante coisa em casa e levo às vezes para alguns lugares. 

Como todo homem de seu tempo, Bonifácio tem uma história de avanços e retrocessos. Hoje, olhando de longe, como você o definiria?

Tenho a maior admiração por ele independentemente de ser sua descendente. Acredito que foi uma pessoa muito à frente de seu tempo, muito evoluída até espiritualmente. Ele deixou tanta coisa escrita para o Brasil, tinha um plano muito importante para o país. As coisas que conheço, já estudei, entendo que foi um visionário, uma pessoa muito além do seu tempo. Imagino que deva ter sofrido muito, porque se hoje as ideias dele são válidas, e muitas pessoas ainda se inspiram nos tratados, escritos dele, imagine naquela época que viveu, no auge da Revolução Francesa, como devia ser difícil de ser compreendido. Ele foi uma pessoa com sabedoria incrível e bastante humana, porque defendia mulher, negro, índio e tinha um amor à pátria, tanto que na lápide dele está ‘pelo amor à minha pátria’. A maior devoção dele, de fato, era esse país. E ele fez tudo que podia. Ele não era compreendido, as pessoas deviam ser mais atrasadas, e ele não conseguiu implantar tudo que pensou. Imagino que era frustrado, porque você cria um projeto enorme para o país, um povo e não consegue implantar tudo. É difícil. 

Por muito tempo, em vida, ele lutou por um cargo público. Acredita que o título de Patriarca da Independência o contemplou neste sentido?

Não sei se ele era vaidoso, porque Dom Pedro I quis dar um título de nobreza e ele negou. E a filha dele, Gabriela, também negou. Não sei se tinha essa vaidade e preocupação de ter um título. Ele tinha amor a essa pátria e ao povo. Agora, o que conheço da história dele, sinto tristeza de ver o nosso país não ter o patriotismo e não conhecer quem fez a independência do país. Ele não ser reconhecido dignamente por tudo que fez. Defendeu as mulheres, índios e negros, disse que Brasília tinha de ser onde é. Deu latitude, longitude e a razão de existir Brasília, o nome que tinha de ter, tudo isso deixou escrito em 1800 e pouco. Não porque descenda dele, mas era um homem brilhante. E não é reconhecido por seu povo. Por isso que levo isso para as crianças, porque acredito que nosso futuro está com elas. Para terem consciência e noção da pátria, da nossa história, porque se você não conhece teu país, como faz?

Para você, qual o real papel de José Bonifácio na história brasileira?

Se não foi o único estadista, foi um dos maiores estadistas que o país teve.

Acredita que o Brasil é um país independente?
Acho que não. A gente ainda vive como uma certa colônia, ainda temos muito por crescer, se desenvolver e aprender. Além de se conscientizar, até da nossa riqueza. O Brasil é um país riquíssimo, de ‘n’ coisas, e nós não nos valorizamos. Não temos amor à nossa própria pátria. Você vê um americano no dia 4 de julho (independência do país) e ele está vestido com as cores da bandeira, apaixonado. A gente não tem essa consciência, nem das nossas riquezas. Permitimos que venha um outro povo, outro país, e ‘saqueie’ as nossas riquezas. Somos o maior produtor de alimentos do mundo e a gente não se valoriza por isso. Poderíamos ter um super poder, e assim de fato ser independente. A gente ainda tem um certo conceito de colônia.

(Miriam Gimenes/Agenda Bonifácio)

Publicada em 08 de junho de 2022