Brasil Jazz Sinfônica faz releitura do Hino da Independência com os sons da obra do Museu Paulista para homenagear trabalhadores e celebrar o bicentenário

Foto: Divulgação/Brasil Jazz Sinfônica
‘Brava gente brasileira, longe vá temor servil. Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil’. É impossível assistir ao vídeo feito pela Brasil Jazz Sinfônica, que musicou em notas emocionantes o Hino da Independência – em uma gravação dentro e fora do Museu Paulista -, e não ficar com seu refrão ‘tocando’ em looping na cabeça (assista aqui). O projeto, que acaba de ser lançado pela TV Cultura, ganhou nova melodia criada pelo diretor artístico e maestro da orquestra, Ruriá Duprat, e é uma homenagem aos cerca de 400 operários que trabalham na reforma do prédio histórico, além da comemoração em grande estilo do bicentenário da efeméride.
Em entrevista exclusiva à Agenda Bonifácio, o maestro detalhou de que forma as notas musicais identificadas na obra foram inseridas na performance da Jazz Sinfônica, como foi realizada a ‘arquitetura’ para composição do vídeo e qual a impressão que com ele ficou após a finalização do trabalho celebrativo. “A obra funciona como uma orquestra, todos têm de estar coordenados, o que muda é só o nome do ofício”, conclui. Confira, a seguir, a entrevista completa:
Vocês prepararam um super vídeo que toca o hino da independência unindo o som da orquestra com as obras do Museu Paulista. Como surgiu a ideia do projeto?
A Brasil Jazz Sinfônica é muito incentivada pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado, na figura de Sérgio Sá Leitão, e há algum tempo é regida pela Fundação Padre José Anchieta e pela TV Cultura. O vídeo surgiu por encomenda do próprio presidente da TV Cultura, o José Roberto Maluf, e também do diretor executivo da orquestra, que é o Fábio Borba. Eles me chamaram e disseram que gostaria que a Jazz Sinfônica fizesse uma grande homenagem a todas as pessoas que trabalharam e participaram da reforma do Museu do Ipiranga. Naquele exato momento tive toda certeza de que não fazia a menor ideia de como resolver essa questão porque a primeira imagem que vem à cabeça é justamente o enfileiramento de imagens de trabalhadores com a música sinfônica por baixo. Isso não funciona porque o objetivo principal seria emocionar e arrepiar. Se fizéssemos isso íamos perder viagem. E a Jazz tem uma premissa que a gente repete como mantra todo dia, que é modernidade e originalidade. Essa seria a maneira com a qual a gente gostaria de seguir para emocionar o ouvinte. E nesse momento percebi que precisávamos mesmo de um conceito, porque não íamos conseguir fazer uma coisa interessante. Começamos a agregar outras pessoas, uma das mais importantes foi o Jarbas Agnelli que foi o diretor desse vídeo e ele, além de craque da imagem, também é músico e tem muita sensibilidade musical. Foi justamente em busca desse conceito, numa visita técnica ao Museu do Ipiranga, que a gente acabou percebendo uma equipe de marceneiros que chamou atenção, estavam trabalhando de uma forma muito coordenada. Um riscava, o outro vinha com uma serra e o terceiro já marcava com os pontos, o quarto furava e o quinto levava o batente para ser instalado na parede previamente preparada pela equipe de pedreiros. O primeiro aspecto que chamou atenção foi a sonoridade, porque as serras têm notas musicais muito definidas, assim como as furadeiras. A gente sabe disso no dia a dia, mas quando você vai com um problema para ser resolvido outras coisas chamam atenção. Justamente, no caso, foi o aspecto sonoro. Mas fomos além: comecei a perceber que o jeito como uma reforma dessa magnitude funciona exige que cada equipe trabalhe de maneira muito coordenada. Para que elas possam, em um segundo momento, se concatenarem com outras equipes. E isso é justamente o que acontece dentro de uma orquestra sinfônica, só muda o nome. Na orquestra chama naipe, as cordas que a equipe de cordas usa tem de estar funcionando muito bem internamente para que possam depois coordenar com as madeiras, metais e percussão. Cheguei à conclusão de que funciona lá é o mesmo tipo de trabalho que vivo no meu dia a dia, só o ofício que é diferente. Foi aí que surgiu, deu o estalo, de montar uma orquestra gigantesca com a Brasil Jazz Sinfônica e todas as pessoas que trabalharam e fizeram esse papel importantíssimo na reforma do Museu do Ipiranga. Foi o que a gente fez, uma grandiosa homenagem aos 200 anos da independência do Brasil.
Acredito que tenha tido de ser feito um estudo sobre os sons da obra para intercalá-los com os da Jazz. Como foi esse trabalho? Quantas pessoas foram envolvidas nele?
Como pano de fundo escolhemos justamente o Hino da Independência que é composto pelo Dom Pedro I, Evaristo da Veiga, e fiz uma releitura contemporânea – eu mesmo escrevi o arranjo – para poder trazer para atualidade o que estava acontecendo ali, há 200 anos. Com relação à equipe foi bastante enxuta. Tivemos uma um pouco maior visualmente falando, mas foram várias visitas que o Jarbas Agnelli fez ao Museu, eu também, onde tomamos certas decisões. Algumas delas foram: vamos eleger alguns músicos, de alguns naipes da orquestra, para fazer o início e depois, no crescendo, fazemos a orquestra com drones. Foi uma equipe bastante enxuta, com áudio e vídeo, para poder captar. E por que demora fazer? É trabalhoso. A gente não pode chegar no museu e interferir: ‘você tem de andar nesse andamento da música’. Não dá. Tem de ficar atento e filmar muitos passos para que possa haver a primeira cena, por acaso um trabalhador andando. Tivemos de esperar pelo momento em que isso ia acontecer e depois escolher, de 100 passos, aquele que se colocaria no nosso andamento. As serras, por exemplo, tivemos de afinar cada uma delas. No entanto, tivemos de escolher porque quando ela corta algo mais duro, a frequência é mais baixa. A gente estava procurando ali um fá sustenido, um dó, um sol. É muito trabalhoso para poder captar todo esse material e depois ajustar. E o Jarbas é um craque nisso, acabamos trocando muita figurinha no processo e esse conceito tinha vindo do Fábio Borba, que participou muito dessa ideia inicial. Acabamos fechando a várias mãos o que ia acontecer.
E quanto tempo da ideia até a edição final?
A encomenda veio um pouco antes, mas ficamos com aquilo na cabeça. Da visita técnica até a filmagem foi basicamente um mês.
Dizem que o hino foi composto por Dom Pedro I ainda no dia em que declarou a independência, em 7 de setembro de 1822. Qual a real história dele, maestro?
Parece que sim, foi no mesmo dia da independência. Mas essas histórias sempre chegam a nós com um pouquinho de romance. Acredito que tenha tido uma ideia melódica sim, o Evaristo da Veiga fez letra e música. Parece que foi no ‘frigir dos ovos’ da independência. Se não foi no mesmo dia, deve ter sido bem próximo porque até hoje funciona assim, as pessoas acabam se mobilizando com outras coisas diante do que precisam imprimir na data.
Quando criança cantávamos esse hino na escola. Acredita que hoje as pessoas têm entendimento sobre ele e qual a importância de trazê-lo, novamente, na comemoração da efeméride?
Acredito que sim, esse hino é eterno e é um dos mais bonitos. O Hino à Bandeira (do Brasil) juntamente com esse são os dois dos mais bonitos. E hino é uma linguagem muito legal, sempre apreciei bastante. Você pega os dos países e é sempre uma coisa muito bem pensada. Sempre que tem a Copa do Mundo fico antenado nos hinos para ver o que acontece.
E qual a importância de trazê-lo com esta nova roupagem para comemoração?
O link é obvio, mas acabei tentando superar a obviedade da ideia e acabei tentando compensar justamente com uma releitura, praticamente uma fantasia. Preservei todo material melódico do hino, mas acabei incluindo ali um senso de fantasia para poder trazer para os dias de hoje, para que as pessoas tivessem a mesma sensação de 200 anos. Ele devia soar naquela época muito mais como novidade e moderno, depois de 200 e milhões de audições precisava de uma repaginada para que pudesse funcionar do mesmo jeito e, mais uma vez, caminhar no sentido de emocionar quem fosse ver. Acho que a resultante geral, pelo menos nos comentários que tenho recebido, é que muitos estão se emocionando quando assistem ao vídeo. Dá impressão que tudo foi feito no sentido de que orquestra e trabalhadores estão todos olhando para um mesmo ponto no futuro e estão caminhando com muito foco para aquele momento histórico que são os 200 anos.
Como você falou a obra funciona como uma orquestra, todos têm de estar em sintonia…
Pois é, acho que o vídeo conseguiu passar isso. Sou suspeito de falar porque estou dentro (risos), mas muita gente tem comentado coisa parecida com isso.
Soube que vocês também preparam um festival comemorativo, que deve ocorrer em setembro. O que pode adiantar para gente deste evento?
A TV Cultura está muito dentro disso e também a Fundação Padre Anchieta. Nesse momento está sendo gravada uma série que vai ao ar na Cultura sobre os 200 anos e a Brasil Jazz Sinfônica vai gravar a música dessa série inteira, quem está compondo é o Tim Rescala, outro craque também. E vamos participar de vários eventos, não sabemos quais e quando, e vamos participar de uma série de eventos que comemoram os 200 anos.
(Miriam Gimenes/Agenda Bonifácio)
Publicada em 1 de junho de 2022