“A escravidão da colônia e do império foi trocada pelo racismo na era republicana”, diz a historiadora Ynaê Lopes dos Santos

A escravidão de negros, que vigorou no Brasil durante o período colonial e o império, deixou um legado de sangue e sofrimento na história brasileira. Ao longo de três séculos, até 1888, quando foi sancionada a Lei Áurea, entre 5 milhões e 6 milhões de escravos vieram da África — outros 600 mil morreram no caminho. De acordo com a historiadora Ynaê Lopes dos Santos, a escravidão perdurou mais de 300 anos no país por uma escolha da elite política e econômica brasileira, que só foi revista sete décadas após o Grito do Ipiranga. “O Brasil experimenta a sua independência e seus primeiros 70 anos de nação soberana não a despeito da escravidão, mas por causa da escravidão”, afirma Ynaê, que é doutora em História Social pela USP e especialista em História da Escravidão e das Relações Raciais nas Américas. 

Segundo ela, essa dependência do modelo econômico que explora a escravidão explica a demora para o surgimento do abolicionismo, o primeiro grande movimento social brasileiro, o que ocorreu apenas em 1860. A historiadora adverte que a Lei Áurea, às vésperas da proclamação da república, pouco alterou o quadro. “De repente, após 1888, os negros desaparecem da história brasileira e depois, no período republicano, aparecem muito pontualmente”, observa. Ela ressalta que a escravidão da colônia e império foi trocada pelo racismo da era republicana. “A opção pela vinda de imigrantes europeus foi uma política do Estado republicano para ‘embranquecer’ a população brasileira”, diz a historiadora. “O racismo é uma escolha reiterada da história brasileira”, complementa Ynaê, que também é professora na Universidade Federal Fluminense e integrante da Rede de Historiadoras e Historiadores Negros. Confira, a seguir, a entrevista completa:


O processo de independência, na primeira metade do século 19, ocorreu num período ainda sob forte influência do Iluminismo, que se alastrava pela Europa, defendendo liberdades individuais e o fim do absolutismo monárquico. A abolição da escravidão no Brasil já era um tema discutido por parte da elite que participaria desse processo, mas só foi sancionada em 1888, quase 70 anos após a independência. Por que tanta demora?

Na verdade, porque o processo de independência do Brasil é feito a partir de uma escolha das classes políticas brasileiras em prol da escravidão. Mesmo estando num momento da história do Ocidente no qual a instituição escravista começou a ser questionada não só pelos escravizados e por seus descendentes – porque ela sempre foi foco de resistência das pessoas escravizadas –, o que a gente observa, a partir do final do século 18, é o crescimento do movimento abolicionista, sobretudo o inglês, que é mais intenso neste período e acaba se espalhando para outras regiões. O movimento abolicionista francês também teve uma importância grande e esses movimentos já colocavam em xeque a moralidade da instituição escravista. Mas essa é uma parte da história. O que temos, sobretudo no Brasil, é uma escolha deliberada das classes políticas em prol da escravidão. Então, o Brasil experimenta a sua independência e seus primeiros 70 anos de nação soberana não a despeito da escravidão, mas por causa da escravidão. Portanto, a escravidão é uma instituição que continua organizando a sociedade brasileira ao longo desses primeiros 70 anos de nação independente.

Grande parte dos movimentos e revoltas do Brasil em todo o período colonial e, depois, monárquico, teve alguma participação de negros, índios e mestiços, que formavam o maior contingente populacional. Quais foram as principais revoltas que os negros, libertos ou não, tiveram protagonismo?

Temos uma série deles. O movimento mais emblemático relacionado ao processo de independência é, sem dúvida alguma, a Conjuração Baiana, que acontece em 1798 e tem como protagonistas homens chamados na época de pardos e negros. Foi um movimento social de cunho popular muito forte que, além da busca por uma sociedade não só soberana como republicana – havia um republicanismo nascente nesse movimento -, tem também como uma das causas a abolição da escravidão. Esse é um movimento que acaba destoando de outros que existiram na sociedade brasileira colonial, sobretudo a Inconfidência Mineira, que foram muito balizados pelos ideais iluministas. A diferença principal da Conjuração Baiana é que de fato foi um movimento de forte cunho popular, de grande participação nas mais diferentes instâncias da população negra e mestiça e, sobretudo, em detrimento de outros movimentos sociais que acontecem no Brasil – no período colonial como no pós-independência, durante a monarquia brasileira, movimentos esses que eram abertamente contrários à escravidão. A própria independência brasileira se consagra a partir das guerras de independência, eventos que a gente estuda e ouve falar muito pouco, no Piauí e em Pernambuco. O que mais a gente conhece acontece na Bahia, no dia 2 de julho de 1823, que coroa o processo de independência. Esse movimento é de forte participação popular e nesse povo estavam africanos escravizados, homens e mulheres negras livres, que abraçaram a independência brasileira como sua causa, sem ter a percepção, que ainda estava em discussão, do que viria pela frente – vale lembrar que a outorga da Carta Constitucional só ocorre em 1824 e ali está muito evidente o pacto que as classes oligárquicas fazem em prol da escravidão. Mas esses escravizados, que acabam engrossando as fileiras dessas guerras de independência, sobretudo na Bahia, tomam para si a ideia da liberdade própria e dessa nação da qual entendiam fazer parte. Ao longo do século 19, a totalidade das chamadas revoltas regenciais tem forte participação da população negra, seja escravizada, seja livre ou liberta. Basicamente, é impossível pensar em grandes movimentos sociais que aconteceram no Brasil no final do século 18 e ao longo do século 19 que não tenham tido forte participação negra.

Avançando um pouco mais nessas guerras que aconteceram após a independência, se a gente pegar um recorte, entre 1830 e 1845, estouraram várias revoltas contra o poder estabelecido. Mas tinham forte viés econômico, com grande participação de camadas populares, incluindo negros libertos, mestiços, índios e até brancos pobres: Cabanada (PE e AL), Cabanagem (PA), Balaiada (MA), entre outros. Por que a abolição não entrou em pauta nesses movimentos, como na Revolta dos Malês, na Bahia, de 1835?

Sou uma defensora de que todos esses movimentos devem ser entendidos menos como revoltas regenciais e mais como guerras civis. Porque o que temos nesses movimentos não é apenas uma contestação das condições econômicas de cada uma dessas regiões da nação. Mas também lutas de percepções de Brasis que, de certa maneira, estavam lidando com uma insatisfação premente em relação à centralidade que o Sudeste – mais especificamente as Províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais – tinha na organização do poder do Império. Se a gente pega a Cabanagem, que acontece no Pará, temos uma forte questão racial, sobretudo negro e indígena, que atravessa essa experiência, sem sombra de dúvida, mas que não podemos encaixar dentro de uma luta abolicionista. Mesmo porque, no Brasil, o abolicionismo enquanto movimento social – e é importante pontuar que foi o primeiro grande movimento social brasileiro – começa se constituir em 1860, em outro contexto da história brasileira, sobretudo quando o tráfico transatlântico tinha sido abolido pela segunda vez, por meio da Lei Eusébio de Queiroz, de 1850. Portanto, esses movimentos conhecidos como revoltas regenciais eram atravessados por uma série de identidades regionais, distintas, e como essas identidades lidavam com essa diferença do exercício do poder e da organização econômica do país. Tem uma questão, vinculada à sua primeira pergunta, que é o fato de o Brasil, depois da independência, ser um país que se organiza a partir da escolha pela escravidão, enquanto instituição. Isso significa, obviamente, o cotejo do interesse das oligarquias brasileiras. Mas não só a escravidão se transforma nesse pilar que organiza a sociedade brasileira na medida que ela também cria símbolos e significados de identificação, e mais, de exercício da cidadania. Um dos requisitos para ser cidadão brasileiro era o corte censitário. E a principal propriedade no país naquele período era a posse de escravizados. Então, essa identificação de ser proprietário de escravizados é fundante da população brasileira, obviamente da população livre e sobretudo da população branca. A organização e o desenrolar de uma série de movimentos de cunho mais contestatório da história brasileira esbarram justamente na questão da manutenção ou não da escravidão, como na Confederação do Equador, em algumas das revoltas regenciais, com uma série de insatisfações de brancos pobres e de brancos que seriam de uma classe média com muitas aspas. Mas quando chega a oportunidade de discutir o fim da escravidão, essas pessoas muitas vezes desistem ou começam a discutir os rumos desse movimento porque o fim da escravidão representa o fim de uma forma de organização do Brasil, na qual esses homens e muitas mulheres se identificavam, como proprietários de escravizados. Por isso é importante tomar a escravidão não só no que diz respeito à vida dos escravizados – é claro que é fundamental, pois é uma parte da história do Brasil que nos funda e nos organiza nas mais variadas instâncias -, mas não podemos esquecer a dimensão institucional da escravidão. Então não diz respeito só a população escravizada, mas também ao outro pólo dessa relação, que são os proprietários de escravizados. É essa sociedade que inaugura esse Brasil independente e soberano. Portanto, em última medida, discutir a abolição antes dos anos 1860 é quase que colocar em xeque uma certa soberania brasileira. Por isso, o movimento abolicionista ou as pautas abolicionistas vão se organizar de forma mais sistemática depois de 1860. Isso não significa que não havia vozes abolicionistas antes disso. A gente tem uma imprensa negra se organizando desde 1830, um José Bonifácio que também faz uma série de propostas em prol de uma emancipação gradual da escravidão no Brasil. Nada passa pelo crivo dessas oligarquias brasileiras que estão se organizando política, econômica, social e culturalmente também a partir da escravidão.

A manutenção da escravidão durante o período imperial, de 1822 a 1889, defendida principalmente pela elite agrícola, acabou sendo fundamental para atrasar o processo de industrialização e de urbanização da economia do país. Podemos atribuir o atual racismo estrutural na sociedade brasileira como um outro efeito dessa demora em acabar com a escravidão? 

É uma pergunta complexa, porque precisamos prestar muita atenção ao fato de que a oligarquia brasileira fez uma série de escolhas. A aposta no café e na produção agroexportadora, latifundiária, de plantation, com base na escravização massiva de homens e mulheres vindos do continente africano ilegalmente – pelas leis brasileiras, é preciso pontuar, a partir de 1831 qualquer africano que vem na condição de escravizado chega de forma ilegal -, o que temos é uma escolha desse modelo econômico. Esse modelo é organizado de acordo com os interesses dessas oligarquias nordestinas e de todo o país. Esse pretenso atraso é uma escolha dessa oligarquia. Ocorre que essa escolha pela escravidão, que sustenta a produção do café de 1835 até 1888, está diretamente vinculada à Revolução Industrial. A ideia de que a nossa escravidão não está dentro do sistema capitalista é equivocada: está sim dentro do sistema, mas de uma outra forma, mesmo porque o capitalismo não funciona de apenas uma maneira. Ao contrário: o capitalismo é um sistema que se organiza a partir de hierarquias muito bem estabelecidas, de centros e periferias, cada uma delas com funções auto designadas para o funcionamento do sistema. Então, esse pretenso atraso – que não é atraso – na verdade é fundamental para o desenvolvimento da Revolução Industrial na Inglaterra. Sem o café produzido aqui pelos escravizados, a Revolução Industrial lá teria ocorrido de uma outra maneira – embora em História não falamos em “se”. O que acho fundamental pontuar, respondendo à sua pergunta, é que a escolha pela manutenção da escravidão está sustentada numa percepção racializada e, a meu ver, racista do mundo. Mesmo porque o racismo está presente no iluminismo, no liberalismo e, obviamente, no capitalismo. O racismo é uma forma de organizar o mundo que é inaugurada – se pudermos estipular uma data de nascimento – justamente a partir do momento que se estabelecem essas relações coloniais com o continente americano, em especial quando os africanos entram nesse jogo de exploração das Américas por meio das plantations. Sem sombra de dúvida, a escolha da manutenção da escravidão no Brasil também está vinculada a uma percepção abertamente racista do mundo. Não podemos ser ingênuos em achar que, quando o Brasil primeiro abole a escravidão e depois inaugura a república, o país deixa de ser racista. É o oposto: supostamente no momento que se pretende modernizar o Brasil dentro de uma perspectiva eurocentrada e de um capitalismo mais agressivo, tendo como modelo o que acontecia nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, o que se observa é a formação de um Estado nacional republicano abertamente racista, que coloca como inviável a existência dessa população negra, totalmente livre, nesse mundo urbano, moderno e industrial. O que aprendemos na escola, de forma totalmente dissociada (isso era muito frequente na experiência escolar, pelo menos até pouco tempo atrás e espero que tenha mudado), é que estudamos muito sobre a presença negra, mesmo na condição de escravidão, até 1888. É importante lembrar que, quando a abolição é sancionada, a maior parte da população negra não era escravizada, cerca de 80% já era livre. Pois bem, temos esse marco fundamental e logo depois a proclamação da república. Foi quando se inaugura esse projeto (embora já estivesse sendo gerado no império e só ganhou novo contorno no regime republicano) que desqualifica o lugar desses homens e mulheres negros como trabalhadores livres, por razões abertamente racistas, que dá início a um processo de colonização de imigrantes europeus para o Brasil. Esse processo tinha, em tese, como função principal trazer uma certa “civilidade” na implementação desse sistema fabril. É muito curioso: na escola a gente aprende sobre a presença negra até 13 de maio de 1888, de repente os negros desaparecem da história brasileira e depois, no período republicano, aparecem muito pontualmente. Quando começamos a estudar sobre trabalho livre, sindicatos e greves, indo até os anos 1980, a gente pouco fala ou sabe sobre a população negra. Por quê? Porque isso foi um projeto organizado pelo Estado nacional republicano de acabar com a população negra brasileira. O projeto de imigração era menos preocupado com a formação de uma classe trabalhadora livre, mas ao mesmo tempo facilmente explorada – que é o que acontece com a imensa maioria dos imigrantes que vieram ao Brasil -, e muito mais preocupada em “embranquecer” a população brasileira. Os estudos feitos pelos intelectuais que vão pautar essas políticas de imigração durante pelo menos a experiência da primeira república brasileira, designam os europeus latinos (portugueses, espanhóis e italianos) como os ‘bons imigrantes’, os mais desejáveis. Não é porque esses homens sabiam trabalhar com maquinário, mesmo porque a maioria era de camponeses, e sim por se acreditar que esses imigrantes eram mais afeitos à miscigenação. Os projetos de imigração desse início de república davam preferência a homens a trazer famílias inteiras, justamente para garantir que esses homens estabelecessem famílias aqui no Brasil, para que elas, aos poucos, ‘embranquecessem’ a população. Tanto assim que o antropólogo João Batista Lacerda, representando o presidente do Brasil, vai ao Congresso Mundial das Raças, em 1911, em Londres, e apresenta esse projeto – que é, importante pontuar, um projeto nacional brasileiro. Muitas vezes colocamos só na conta da escravidão o racismo no Brasil. Sem sombra de dúvida, o racismo que temos é diretamente relacionado com a longeva e complexa história da escravidão no país. Mas não podemos esquecer que os momentos de transformações políticas são momentos novamente de escolhas, de formas de governo, de implementação de diferentes políticas públicas. E o racismo é uma escolha reiterada da história brasileira. Toda vez que a nossa elite tem de escolher, ela faz escolhas abertamente racistas. A mudança disso, no que diz respeito às oligarquias brasileiras, têm ocorrido de forma muito sutil nos últimos 20 anos, quando tivemos experiências de governos que reconhecem a existência do racismo e se colocam de alguma maneira contrários a esse sistema – embora ainda falte muito para que uma política efetivamente antirracista, organizada pelo Estado brasileiro, seja desenhada. Acho importante lembrar isso, que a gente tem essa forte herança vinculada aos mais de 300 anos de escravidão no Brasil. Mas não podemos eximir a experiência republicana do peso que a estrutura racista continua tendo na sociedade brasileira.

Ou seja, continuou na república…

Continuou porque se quis que continuasse. O racismo não é um gás que está na atmosfera. É um sistema de poder. Tem quem ganhe e tem quem perde com o racismo.

O bicentenário da independência é uma oportunidade de fazer uma releitura de um evento onde o que entrou para os livros de história foi a versão da elite brasileira. Existe um movimento de revisão historiográfica que jogue mais luz sobre a participação dos negros na história do país?

Sim, sem dúvida. Essas comemorações de datas cívicas são sempre momentos muito interessantes, como as da Semana de 22, de 1922, dos cem anos da independência. Há outros movimentos que aconteceram nesse mesmo 1922 que, por uma série de razões, inclusive do próprio racismo que nos estrutura, ficaram escanteados pela historiografia dita oficial. Mas estamos vivendo um momento interessante de retorno para essa história brasileira, para compreendê-la na sua complexidade. Por mais que a gente tenha mais acesso às fontes documentais produzidas por essa elite – que acabaram, por sua vez, organizando o Estado nacional brasileiro, os chamados vitoriosos da história nesse momento -, achar que essa é a história do Brasil é uma percepção bem tacanha de história. O que temos agora, com mais força, são pesquisas – muitas delas já acontecem há bastante tempo – feitas por pesquisadores engajados em compreender esse período da construção dessa primeira experiência de soberania nacional brasileira, a partir dessa complexa sociedade que se organiza no período colonial e precisa se reestruturar dentro da experiência de soberania de independência. Temos agora, com certeza, uma série de movimentos que estão revitalizando não só uma história com mais participação de negros, indígenas e mestiços, mas também que não esteja tão centrada em São Paulo, Rio, Minas, Bahia e Pernambuco, que são os eixos com os quais a gente geralmente trabalha quando pensa nesse período da história do Brasil. O momento é muito importante para entender melhor a situação que estamos vivendo agora, que é profundamente complexa. O meu orientador de iniciação científica, professor István Jancsó, e o professor Paulo Pimenta desenvolveram um termo muito interessante para pensar essa passagem da colônia para o império: “O Brasil é um mosaico de pátrias, que estão tentando se organizar enquanto nação”. O século 19 é, em grande medida, a história da construção dessa dita nação brasileira, que é complexa, polifônica, contraditória. Ainda bem, temos novos pesquisadores, homens e mulheres negros e indígenas, muitos deles, pela primeira vez na experiência familiar deles, ocupando esses espaços nos programas de pós-graduação de universidades públicas, fazendo pesquisas que, para serem elaboradoras, precisam voltar para a história do Brasil a partir de outros personagens e outras trajetórias. Então é um movimento muito saudável da historiografia brasileira e fico muito feliz que ele esteja acontecendo. Ainda mais que este é um ano eleitoral – então é muito importante a gente ter essa compreensão da complexidade do Brasil quando precisamos decidir mais uma vez os rumos do país.

Gostaria de repetir uma pergunta que fazemos a todos os entrevistados da Agenda Bonifácio. A senhora acredita que o Brasil de fato é um país independente?

Não tenho a menor dúvida: o Brasil é um país independente. Agora, existem independências e independências. Precisamos compreender o que significou essa do Brasil, a partir de quais escolhas ela foi feita. Cada vez mais que estudo os pormenores da história do Brasil e desse processo, mais certeza tenho disso: a gente tem uma independência e temos uma escolha muito bem delineada de nação, pelo menos para uma classe específica, e – de certa maneira, vou terminar como comecei – uma escolha que reitera a escravidão. Colocar 1822 como uma não-independência, a meu ver, é desqualificar, colocar debaixo do tapete, é esconder uma escolha política feita no nascimento do Brasil. O Brasil é um país que nasce apostando na escravidão, lançando a escravidão no futuro – e essa não é uma frase minha, é do professor Luiz Felipe Alencastro (historiador e cientista político). Essa é a nossa marca, a independência vem com isso. É dessa forma que precisamos entendê-la.

(José Eduardo Barella/Agenda Bonifácio)

Publicada em 15 de junho de 2022