O Anjo Negro de D. Pedro II

Antes de deixar o Brasil após abdicar da Coroa, em 1831, D. Pedro I escolheu três pessoas de confiança para cuidar dos filhos que permaneceram no país: José Bonifácio, tutor oficial do herdeiro e futuro imperador Pedro II, a condessa de Belmonte e o negro Rafael – um ex-escravo, veterano da Guerra Cisplatina, que o imperador havia trazido do sul e empregado no Paço de São Cristóvão. Nascido em 1791 em Porto Alegre, Rafael cumpriu à risca a missão. Cuidou de D. Pedro II na infância com tanto zelo que ganhou o apelido de Anjo Negro. Era Rafael quem dava banho e dormia no mesmo quarto do futuro imperador, consolando-o quando ele chorava “com medo das almas do outro mundo”, como dizia. A amizade entre os dois permaneceu inabalável até depois da coroação de D. Pedro II. Rafael passou a atuar como uma espécie de assessor pessoal, acompanhando o imperador em viagens. D. Pedro II tinha tanto carinho com o Anjo Negro que o ensinou a ler e escrever, além de lhe dar aulas de francês e inglês. Apesar dos mais de 30 anos de amizade entre os dois, existem poucas referências historiográficas sobre Rafael – para se ter uma ideia, até hoje não se sabe seu sobrenome. Seu perfil foi descrito no livro O Negro da Quinta Imperial, de Múcio Teixeira, amigo próximo do imperador. Teixeira relata o sofrimento do Anjo Negro nas horas seguintes à Proclamação da República. Na manhã de 16 de novembro de 1889, então com 98 anos e com a cabeça confusa pela idade, Rafael acordou sem saber o que havia ocorrido no dia anterior. Encontrou Inácio Augusto Raposo, bibliotecário do Paço Imperial de São Cristóvão, andando de um lado para o outro, agitado. Depois de interpelá-lo, veio a resposta: ”Rafael, tu não sabes que ontem foi proclamada a República e que teu ‘menino’ está preso no Paço da Cidade??”. Chocado, o velho tutor do imperador ainda balbuciou uma frase – “Que a Maldição de Deus caia sobre a cabeça dos algozes” – antes de cair, morto, provavelmente vítima de um enfarte fulminante. O Anjo Negro morreu junto com a monarquia.