Calabouço, a masmorra criada pelo Estado para torturar escravizados

A palavra calabouço é definida no dicionário como um local de detenção provisória ou preventiva. Durante a escravidão no Brasil, porém, a palavra foi usada para dar nome a uma casa pública do Rio de Janeiro exclusiva para castigo dos escravizados. Criado por decreto em 1693, o Calabouço foi erguido no complexo do Forte de São Tiago (depois Ponta do Calabouço), no Morro do Castelo. Os escravizados eram enviados por seus donos, que pagavam uma taxa ao Estado que dava direito a um “pacote de estadia” que incluía de 200 a 300 açoites (160 réis por cem chibatadas), tratamento médico subsequente – limpeza dos ferimentos com uma mistura de sal e vinagre com pimenta, para evitar infecções –, além de alimentação e “acomodação”. A Coroa usava também a mão de obra dos prisioneiros e os lucros da estadia para erguer obras viárias, como o Passeio Público (1783). Diferentemente do pelourinho público – onde eram punidos os escravos julgados e condenados –, o Calabouço recebia “hóspedes” para serem castigados sem que seus donos tivessem de justificar os motivos. Bastava pagar. O local era escuro e abafado, onde predominava o cheiro de fezes. Media cerca de 14 metros de comprimento por 4,8m de altura e 8,5m de largura. Precursor da superpopulação carcerária vigente até hoje no Brasil, o Calabouço chegou a receber até 100 escravos por dia — só no ano de 1826, 1.786 cativos foram castigados a mando dos senhores. Em 1838, o Calabouço foi desativado e virou uma ala na então recém-construída Casa de Correção, na Rua Frei Caneca. As sessões de tortura, porém, continuaram nas décadas seguintes. Também era comum o envio de escravos que seus proprietários queriam se livrar: como os donos não pagavam a taxa, o próprio Estado se encarregava de revendê-los. O historiador Carlos Eduardo Araújo cita um ofício de setembro de 1849 da Casa de Correção sobre um escravo chamado Antonio Crioulo, que havia sido enviado para lá pelo dono, Francisco Dias de Castro, 13 anos antes. O Calabouço da Casa de Correção só foi desativado em 1874. Os castigos foram transferidos para a Casa de Detenção e vigoraram até as vésperas da abolição. Nos anos 1930, com o desmanche do Morro do Castelo, o Calabouço original foi demolido para a construção, no entorno, do Aeroporto Santos Dumont.

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