As 24 horas que a Constituição da Espanha, jurada por D. João VI, vigorou no Brasil

Um dos episódios mais emblemáticos ocorridos durante o processo de independência do Brasil foi o juramento do rei D. João VI à Constituição espanhola de 1812. O fato inusitado – juramento de um monarca à Constituição de outro país – foi resultado da Revolução Liberal do Porto, deflagrada em agosto de 1820, que tinha, entre outras exigências, o retorno de D. João VI para Lisboa e a elaboração de uma Constituição (a primeira da história de Portugal) que decretasse o fim do absolutismo e o estabelecimento de uma monarquia constitucional. Para pressionar o rei D. João VI a aceitar as demandas, as Cortes Constitucionais portuguesas, encarregadas de escrever a nova Carta, exigiram que o monarca português jurasse obediência à Constituição de 1812 da Espanha, que tinha os mesmos princípios liberais – incluindo limites aos poderes do rei – a serem incluídos na nova Carta portuguesa. Na tarde do dia 21 de abril de 1821, um sábado de aleluia, sob intensa pressão de uma multidão que lotava a Praça do Comércio, no Rio de Janeiro, D. João VI jurou obediência à Constituição de Cádiz, como era conhecida a Carta espanhola aprovada em 1812. Mas o que na prática seria a primeira Constituição em vigor no Brasil, e em Portugal até então, não durou nem 24 horas. Na madrugada de domingo, soldados portugueses invadiram a praça e abriram fogo contra a multidão. Os distúrbios, aparentemente planejados pela família real, foram usados por D. João VI para revogar no domingo, 22 de abril, a vigência da Constituição de Cádiz. Poucos dias depois, pressionado, o monarca voltou para Portugal, deixando D. Pedro no Brasil como príncipe regente — o que abriria caminho, no ano seguinte, para a declaração de independência. Depois de redigida, a Constituição portuguesa de inspiração liberal foi jurada por D. João VI no dia 23 de setembro de 1822 (duas semanas após o Grito do Ipiranga), mas durou poucos meses – no começo do ano seguinte ele a revogou, voltando a ser um monarca com poderes absolutos. Ironicamente, a Carta portuguesa repetiu o roteiro da Constituição de Cádiz, que teve apenas dois anos de vigência. Em 1814, o rei espanhol Fernando VII foi reentronizado, revogando-a em seguida.

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